Por Marcelo de Elias Especialista em gestão de mudanças, liderança e cultura organizacional
Na semana passada recebi um interessante artigo do amigo Rafael Takei. É um material de estudo que ele recebeu em uma de suas aulas de doutorado e fez questão de me encaminhar, entendendo que eu gostaria do assunto. Ele acertou!
O artigo, na revista Strategic Organization, com o provocativo título: “(Un)Mind the Gap: How Organizational Actors Cope with an Identity–Strategy Misalignment”, ou algo do tipo “(Não) Ignore o Descompasso: Como os Atores Organizacionais Lidam com o Desalinhamento entre Identidade e Estratégia”, me fez pensar sobre várias coisas relacionadas à cultura organizacional.
O trabalho, conduzido por Matthias Wenzel e colegas, explora um dilema comum, mas nem sempre nomeado com clareza nas organizações: o desalinhamento entre identidade organizacional e estratégia.
Embora o estudo original tenha sido feito em uma emissora pública alemã, os aprendizados que ele oferece são universais. O que me chamou atenção foi o enfoque dado à forma como os próprios colaboradores percebem e lidam com esse desalinhamento no dia a dia — não apenas os altos executivos, mas todos os que fazem parte da organização.
Com base nesse estudo e em minha própria vivência com lideranças e organizações que enfrentam desafios culturais e estratégicos, compartilho neste artigo uma reflexão ampliada: como a identidade organizacional (que compõe a cultura) pode sustentar ou sabotar a estratégia de uma empresa? E como os profissionais aprendem a conviver com esse descompasso?
O que é esse tal “gap”?
Toda organização tem, mesmo que não formalizada, uma identidade: uma ideia compartilhada de quem somos, o que valorizamos e como queremos ser reconhecidos. Essa identidade compõe a base da cultura organizacional, junto com os valores, crenças, símbolos, comportamentos e narrativas que circulam dentro da empresa.
Por outro lado, a estratégia é o caminho que a organização escolhe trilhar para atingir seus objetivos e se manter competitiva.
O ponto central do artigo é: e quando “quem somos” entra em conflito com “o que devemos fazer”?
Esse desalinhamento entre identidade e estratégia pode gerar tensões, desconforto, desmotivação e até desintegração interna. Mas também pode ser encarado de outra forma: como uma ambivalência administrável, uma dualidade que pode ser temporariamente sustentada através de táticas cognitivas utilizadas pelos próprios colaboradores.
O caso do estudo
MediaCorp, uma emissora regional, tradicionalmente se via como responsável por oferecer conteúdo jornalístico de alta qualidade focado na sua área geográfica. Entretanto, pressões externas — como queda na audiência e mudanças tecnológicas — levaram a organização a adotar estratégias voltadas ao mercado, como a produção de programas mais baratos e genéricos, com menor conexão com a identidade original da organização. Isso gerou um sentimento de “traição” à identidade institucional entre seus membros.
Os autores buscam responder: Como os atores organizacionais lidam com o desalinhamento entre identidade e estratégia?
As três táticas para lidar com o desalinhamento
A pesquisa realizada na emissora pública alemã identificou três estratégias mentais (ou táticas cognitivas) utilizadas pelos colaboradores para lidar com o desalinhamento entre identidade e estratégia. Essas táticas surgem de forma natural no cotidiano e variam de acordo com o papel de cada indivíduo na organização.
- Contextualização Utilizada principalmente por quem atua na formulação estratégica. Essa tática consiste em reinterpretar o conflito à luz do contexto externo, argumentando que certas decisões “fora do nosso padrão” são necessárias para sobreviver ou inovar. É como dizer: “Sabemos que este tipo de conteúdo não representa nosso estilo tradicional, mas precisamos disso para nos manter relevantes.”
- Abstração Comum entre os que atuam na comunicação ou articulação da estratégia. Trata-se de elevar o discurso identitário a um nível mais genérico e flexível, tornando a identidade compatível com múltiplas estratégias. Exemplo: “Mais do que ser regional, nossa missão é informar. E isso pode ser feito de diversas formas.”
- Fatalismo Frequentemente adotada por quem está na linha de frente da implementação. É uma postura mais resignada, que reconhece a contradição, mas assume que não há muito o que se possa fazer. “Isso vai contra tudo que acreditamos, mas não temos escolha. A decisão já foi tomada.”
Essas táticas revelam algo fundamental: a cultura organizacional não é algo fixo, nem uniforme. Ela é vivida e (re)interpretada continuamente pelas pessoas. E, diante de conflitos entre identidade e estratégia, os colaboradores encontram formas de preservar sua integridade emocional e seu senso de pertencimento.
O que isso nos ensina sobre cultura?
A principal lição que extraio do estudo é que a identidade organizacional é um componente vital da cultura — e sua força pode tanto impulsionar como bloquear a execução estratégica.
Cultura não é apenas “o jeito como fazemos as coisas por aqui”. Ela também envolve “o motivo pelo qual fazemos” e “quem queremos ser”. A identidade dá coesão à cultura. Ela representa a alma da organização.
Quando a estratégia desconsidera essa identidade, cria-se uma fratura cultural. Por isso, tantas mudanças estratégicas fracassam não por erros técnicos, mas por incompatibilidade com a cultura vigente.
Não se trata de escolher entre cultura e estratégia. Trata-se de construir estratégias que dialoguem com a cultura — ou, quando necessário, promover a evolução cultural de forma consciente, cuidadosa e coerente com os objetivos do negócio.
E o que fazer na prática?
A convivência com um desalinhamento entre identidade e estratégia pode até ser viável no curto prazo — como o estudo sugere. Mas no longo prazo, esse “gap” cobra um preço alto: desengajamento, perda de confiança, desgaste emocional, queda de performance e perda de propósito.
Por isso, líderes e profissionais de RH precisam estar atentos a alguns pontos:
- Mapear e compreender a identidade organizacional com profundidade. Isso vai além dos valores escritos na parede: envolve escutar as narrativas dos colaboradores, entender o que eles realmente acreditam e valorizam.
- Avaliar o grau de compatibilidade entre as estratégias traçadas e os pilares da cultura vigente. Estratégias que negam a identidade organizacional tendem a gerar resistência, consciente ou não.
- Promover um processo de sensemaking: ajudar os colaboradores a entenderem o “porquê” das decisões estratégicas, contextualizando e conectando essas decisões com a identidade da organização — mesmo que isso exija ajustes em ambos os lados.
- Revisar a estratégia com humildade, quando necessário, para que ela não sacrifique o que a organização tem de mais valioso: sua autenticidade.
Toda empresa quer resultados. Mas os melhores resultados surgem quando cultura e estratégia caminham juntas.
Identidade organizacional é um pilar estratégico. É o alicerce da cultura. E cultura não é só “o clima organizacional” — ela é o terreno sobre o qual qualquer estratégia será construída.
Se há desalinhamento entre quem somos e o que fazemos, o primeiro passo é reconhecer essa tensão. O segundo, é entender como ela está sendo vivida pelas pessoas. E o terceiro, talvez o mais importante, é promover um realinhamento que respeite a identidade, fortaleça a cultura e direcione com clareza o caminho para os objetivos estratégicos do negócio.
Se você é líder, RH ou profissional envolvido na construção estratégica da sua organização, meu convite é este: não negligencie a cultura. Não negligencie a identidade. E jamais subestime o poder de coerência entre o que se acredita e o que se faz.
Porque, no fim, é essa coerência que sustenta a confiança, o engajamento e o sucesso sustentável.
MARCELO DE ELIAS é Linkedin Top Voice. Mestre em inovação e design com MBAs em Estratégia (USP), Gestão de Pessoas (FGV), formação internacional em gestão da mudança em tempos desafiadores (University of Tampa/EUA) e pós-graduado em neurociência e psicologia positiva (PUC).
Conteudista especialista em liderança, protagonismo e gestão de mudanças, é professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios. Escritor e fundador da Universidade da Mudança.
Pioneiro no assunto “Inner Skills” no Brasil.
Atende grandes clientes como GPA/ Pão de Açúcar, Cobasi, Neoenergia, Leroy Merlin, SBT, Marisa, Carrefour, MSD/Merck, Elanco, Kawasaki, GM, Fiat, Raízen/Shell, DHL, Caixa, Bradesco, Unilever, Bettanin/InBetta, Sebrae, SESC, Sabesp, Banco da Amazônia, Justiça Federal, Ministério Público, INPE, Usiminas entre outros de diversos segmentos.
Através de mensurações na metodologia NPS junto aos contratantes, o índice de recomendação é de 100%.
As palestras não são “produtos de prateleira”, mas sim, projetos 100% personalizados e customizados para cada realidade, considerando as necessidades a serem atendidas, a cultura do cliente e o perfil do público.
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