A cultura organizacional é o alicerce que sustenta comportamentos, decisões e a forma como as pessoas trabalham e interagem em uma empresa. No entanto, nem todas as culturas são igualmente eficazes.
Talvez, intuitivamente, você pense que a cultura forte tende a ser melhor que uma cultura fraca. Para a maioria das situações você teria razão em pensar assim, mas, em alguns poucos contextos, a cultura fraca pode ser mais positiva, sabia?
Em 1985, a Coca-Cola cometeu um dos maiores erros de marketing da história. A empresa, temendo a concorrência da Pepsi, decidiu mudar a fórmula do refrigerante e lançar a “New Coke”. A reação foi desastrosa.
A empresa, em busca de aumentar sua participação de mercado mudou sua fórmula original por uma nova, mais doce e supostamente mais atraente para o paladar dos consumidores jovens.
Os consumidores, leais à marca e ao seu sabor tradicional, protestaram, e a empresa rapidamente voltou atrás.
A Coca-Cola subestimou o profundo apego emocional que os consumidores tinham à fórmula original. A bebida era mais do que apenas um refrigerante; era parte da cultura popular e carregava consigo memórias e experiências.
O que muitos não perceberam na época é que o erro não foi apenas uma questão de produto, mas uma falha cultural: a Coca-Cola havia ignorado a essência da sua marca e a conexão emocional que os clientes tinham com ela.
Este episódio não é apenas sobre marketing, mas sobre cultura organizacional. Assim como uma marca tem sua identidade, cada empresa tem uma cultura própria, invisível, mas poderosa.
A decisão de alterar a fórmula, ignorando o valor sentimental que os consumidores atribuíam à bebida original, demonstra uma falta de compreensão da própria cultura organizacional. A empresa subestimou o poder do vínculo emocional que os consumidores tinham com a marca.
Não foram apenas os clientes que repulsaram a mudança. Os colaboradores também. Isso gerou ainda um grande impacto na cultura interna da Coca-Cola. A resistência dos funcionários e a pressão do público demonstraram que a empresa não havia conseguido construir uma cultura organizacional flexível o suficiente para suportar uma mudança tão radical.
A cultura dominante entre os colaboradores da empresa era tão forte que, por sorte, dificultou a adoção mudança.
Isso mesmo! A cultura forte refutou a mudança e isso foi, de alguma forma, positivo. Me parece que a decisão da mudança do sabor seria um erro estratégico de grandes impactos negativos se a empresa insistisse.
Mas nem todas as situações são assim. Em algumas, como em fusões e aquisições, as mudanças se fazem necessárias e a cultura relutante, por estar fortemente estabelecida, pode prejudicar bastante.
A diferença entre uma cultura forte e uma cultura fraca reside, essencialmente, no grau de alinhamento entre os valores declarados pela organização e os comportamentos efetivamente praticados no dia a dia.
Um conceito que explica um dos aspectos determinantes de uma cultura forte é “concordância cultural”
O termo refere-se ao nível de alinhamento entre os membros de uma organização em relação às crenças e práticas predominantes. Quanto maior a concordância, mais homogênea e forte será a cultura organizacional.
Uma cultura forte é caracterizada por coerência e consistência. Nela, os valores, crenças e propósitos da empresa são não apenas comunicados, mas vividos por todos os colaboradores.
Esses valores compartilhados entre todos influenciam o comportamento organizacional. As organizações com cultura forte têm raízes mais profundas e resistentes.
Esse alinhamento cria uma identidade organizacional robusta e reconhecível, que orienta comportamentos, decisões e até mesmo a estratégia de negócios.
Uma cultura forte se destaca pela presença de valores profundamente enraizados, que não ficam restritos a slogans nas paredes, mas se manifestam nas ações cotidianas de líderes e colaboradores.
Nelas, os líderes desempenham um papel fundamental ao servirem como modelos vivos desses valores, reforçando os comportamentos esperados e inspirando a equipe. Além disso, processos, políticas e sistemas de recompensa são cuidadosamente alinhados aos princípios organizacionais, garantindo que cada prática esteja em sintonia com a cultura desejada.
A comunicação, por sua vez, é clara e consistente, sendo constantemente reforçada em todos os níveis da empresa, o que contribui para a criação de um ambiente de confiança e um senso genuíno de pertencimento entre os colaboradores.
A Apple, por exemplo, é frequentemente citada como uma empresa com cultura forte. Seu compromisso com a inovação e a excelência é uma prática diária.
Desde o design de produtos até o atendimento ao cliente, tudo reflete uma obsessão por detalhes e pela experiência do usuário. Essa consistência cria uma conexão emocional entre a marca, seus colaboradores e consumidores.
Os benefícios de uma cultura forte são notáveis e impactam diretamente o desempenho organizacional.
Colaboradores engajados se sentem parte de algo maior, o que aumenta significativamente a motivação e o comprometimento com os objetivos da empresa.
As decisões, por sua vez, tornam-se mais coerentes, pois são fundamentadas em princípios claros, o que reduz a ambiguidade e proporciona segurança para todos os níveis hierárquicos.
Além disso, uma cultura forte funciona como uma bússola em momentos de crise ou mudança, oferecendo estabilidade e resiliência para a organização enfrentar desafios com confiança e coesão.
Uma cultura fraca é marcada por incoerência e superficialidade.
Os valores e hábitos podem mudar com frequência. As organizações com cultura fraca têm raízes mais superficiais e maleáveis.
Os valores declarados não são refletidos nas ações ou nas decisões organizacionais, criando um ambiente confuso e desestruturado. Isso resulta em desmotivação, conflitos internos e baixa produtividade.
Uma cultura fraca é marcada por um desalinhamento de valores, onde os princípios declarados pela empresa são percebidos como meros discursos, sem impacto real no comportamento dos colaboradores.
A liderança contribui para essa fragilidade ao não incorporar os valores organizacionais, o que compromete sua credibilidade e enfraquece o exemplo que deveriam dar.
Além disso, a falta de coerência nas recompensas agrava a situação, pois práticas de gestão de desempenho frequentemente premiam ações desalinhadas com os valores declarados, reforçando comportamentos inadequados.
A comunicação inconsistente, repleta de mensagens contraditórias, gera confusão e desconfiança, minando o engajamento e a coesão interna.
Imagine uma empresa que declara valorizar a colaboração, mas recompensa apenas resultados individuais. Esse tipo de incongruência cria um ambiente competitivo e desmotivador, onde os colaboradores não veem sentido em trabalhar juntos.
O resultado? Conflitos internos, isolamento e uma queda no desempenho coletivo.
Em ambientes cuja cultura não é fortalecida, os colaboradores se sentem desconectados e desmotivados, a falta de identidade e propósito leva ao aumento da saída de talentos e, sem uma orientação clara, o foco se perde e a eficiência diminui.
Prestando serviços para uma grande consultoria de gestão da mudança, fui chamado a alguns anos para ajudar uma empresa de médio porte no setor industrial de autopeças que estava passando por uma série de desafios culturais.
A empresa, que já era bem estabelecida no mercado, estava enfrentando um crescimento instável e uma série de dificuldades internas, principalmente relacionadas à cultura organizacional.
Quando cheguei à empresa, fui apresentado aos seus valores, que eram “compromisso com a qualidade, inovação e trabalho em equipe”. Esses princípios estavam bem descritos em todos os materiais institucionais, mas, à medida que comecei a conversar com os colaboradores, percebi que a realidade era bem diferente.
Nas reuniões com os líderes da empresa, a incoerência entre os valores declarados e as práticas reais se tornou rapidamente evidente. A empresa pregava trabalho em equipe, mas a forma como as metas eram definidas e recompensadas incentivava fortemente a competição interna.
Os departamentos eram avaliados individualmente, com bônus e premiações baseados exclusivamente nos resultados de cada área, sem levar em conta o esforço coletivo. Isso gerou um ambiente em que as equipes competiam entre si, ao invés de se ajudarem. Em muitos casos, o foco era apenas em atingir os números de produção, independentemente de como isso afetava a qualidade ou o clima entre os colaboradores.
Essa falta de colaboração levou a um aumento no estresse, nas tensões internas e, claro, em uma queda no engajamento dos funcionários.
A liderança, por sua vez, não estava alinhada com os valores da empresa. Durante minha primeira reunião com os executivos, percebi que havia um grande desalinhamento entre o que eles falavam e o que realmente praticavam. Um dos principais diretores, que falava constantemente sobre inovação e a importância de se adaptar às mudanças do mercado, acabou tomando decisões que reforçavam os processos tradicionais e resistiam à adoção de novas tecnologias. Ele insistia que os colaboradores deveriam ser mais “flexíveis” e “inovadores”, mas quando chegou o momento de investir em novas soluções ou na capacitação da equipe, ele optou por manter os processos antiquados, temendo os riscos e os custos envolvidos. Isso criou uma grande frustração entre os funcionários, que viam suas ideias e sugestões de melhoria serem ignoradas, o que resultou em uma perda de confiança na liderança.
A comunicação dentro da empresa também era um problema significativo. As mensagens enviadas pelos líderes eram contraditórias e, muitas vezes, confusas. Enquanto a alta gestão falava sobre a importância de ser ágil e inovador, as equipes operacionais eram constantemente sobrecarregadas com processos burocráticos e retrógrados, sem qualquer explicação sobre os objetivos estratégicos da empresa. Além disso, os feedbacks dados aos colaboradores eram, na maioria das vezes, vagos e negativos, focados apenas em aspectos pontuais de desempenho e nunca no desenvolvimento contínuo.
Isso criou um ambiente onde os funcionários não sabiam exatamente o que era esperado deles e, pior ainda, não se sentiam reconhecidos por seus esforços.
Esse cenário gerou um ciclo de desmotivação e desorganização. Muitos dos colaboradores mais qualificados começaram a procurar novas oportunidades, buscando empresas que realmente valorizassem o trabalho em equipe e a inovação.
Sem uma cultura organizacional forte e coesa, a empresa se viu em um ciclo vicioso de desconfiança e ineficiência, com uma comunicação incoerente e um desalinhamento entre o discurso e a prática. A falta de clareza e os constantes conflitos internos acabaram enfraquecendo a competitividade da empresa no mercado, prejudicando seu desempenho a longo prazo.
Foi muito difícil reverter esse quadro, mas, por incrível que pareça, a cultura fraca contribuiu para que pudéssemos mudar essa cultura.
Sabemos que uma cultura organizacional sólida estabelece um conjunto claro de expectativas, moldando a maneira como os colaboradores realizam suas tarefas e tomam decisões. Via de regra, isso é excelente!
Essa estrutura, muitas vezes reforçada por uma hierarquia definida, proporciona um senso de segurança e propósito, estimulando o engajamento em torno dos objetivos da empresa. No entanto, a força de uma cultura unida pode gerar o “pensamento de grupo”, onde a busca pela harmonia suprime a divergência e a inovação.
Valores profundamente enraizados em culturas fortes reduzem a necessidade de regras rígidas, pois os colaboradores internalizam os princípios organizacionais.
Essa consistência cultural pode se transformar em uma vantagem competitiva, fortalecendo a lealdade e o comprometimento dos funcionários. Contudo, a mesma força que une pode também restringir a mudança.
Esse é um ponto que poucos autores abordam: se você precisar mudar a cultura organizacional, se ela for fraca, é mais fácil conseguir alterá-la. Cultura fortes são consistentes e, por isso, menos maleáveis.
Culturas muito rígidas podem resistir a novas ideias e dificultar a adaptação a cenários dinâmicos.
Em contrapartida, culturas fracas, marcadas pela falta de clareza e alinhamento, geram desorganização e dificultam a unidade de propósito. A ausência de valores compartilhados aumenta a dependência de regras e burocracias, impactando a agilidade e os custos operacionais.
Paradoxalmente, a flexibilidade inerente a culturas fracas pode ser vantajosa em contextos que exigem inovação e adaptação rápida.
A cultura fraca, por ser menos rígida, tende a ser mais adaptável. A cultura forte, com seus valores profundamente arraigados, pode agir como uma âncora em momentos de transformação.
Trabalhei como treinador de líderes para uma grande rede varejista que estava enfrentando uma queda nas vendas e uma resistência crescente às mudanças internas.
A empresa, com milhares de funcionários e uma presença forte no mercado, tinha uma cultura organizacional considerada fraca. Os valores, embora bem definidos no papel, eram apenas discursos vazios. Cada departamento operava de forma independente, sem uma estratégia clara de integração ou alinhamento entre as equipes. A falta de clareza sobre os objetivos e valores da empresa resultava em decisões desalinhadas e uma comunicação inconsistente.
Quando a liderança decidiu que era hora de implementar uma mudança significativa, o que percebi foi que a cultura fraca facilitava a adaptação.
Como não havia um sistema rígido de valores ou normas, a organização era mais flexível para aceitar novas abordagens. Com o apoio da liderança, conseguimos realizar um workshop de alinhamento estratégico e começar a redefinir a missão da empresa. A receptividade foi quase que imediata. A falta de uma “âncora cultural” profunda significava que podíamos implementar mudanças de forma mais ágil, sem enfrentar a resistência típica que ocorre quando uma cultura é fortemente enraizada.
Embora a mudança fosse necessária, ela também trouxe à tona um desafio: a falta de valores compartilhados deixou a organização vulnerável à desorganização. Cada um tinha uma visão diferente do que era importante, e isso gerava confusão. Mas, paradoxalmente, essa flexibilidade também foi uma vantagem, pois a empresa conseguiu se adaptar rapidamente a novas tendências do mercado e começar a oferecer uma experiência de compra mais personalizada e eficiente. Sem a rigidez de uma cultura forte, foi possível acelerar o processo de inovação.
Em contraste, uma outra empresa em que desenvolvi um projeto, com uma cultura mais forte e valores profundamente arraigados, encontrou grandes dificuldades ao tentar implementar mudanças semelhantes. A resistência à mudança foi enorme, e a rigidez dos processos internos dificultou qualquer tentativa de adaptação.
A flexibilidade de uma cultura fraca, embora desafiadora, permitiu à rede varejista a agilidade necessária para se reinventar e se reposicionar no mercado, mostrando que, em tempos de transformação, uma cultura mais maleável pode ser uma vantagem.
Não estou fazendo uma “ode” à cultura fraca, poetizando-a como algo positivo.
Frequentemente, na absoluta maioria dos casos, não é! Apenas gosto de ajudar as pessoas a pensarem que, em alguns casos, a flexibilidade da cultura para a mudança é inversamente proporcional à sua força que, em muitos casos, gera rigidez.
A rigidez se manifesta em diversas situações: em empresas que operam em mercados dinâmicos, a cultura forte pode dificultar a rápida adaptação às novas demandas do mercado; em ambientes que valorizam a diversidade, a pressão por conformidade pode limitar a expressão de diferentes perspectivas e experiências; e, em processos de fusões e aquisições, culturas organizacionais muito distintas podem gerar conflitos e dificultar a integração das equipes.
Uma cultura organizacional pode ser tanto um ativo quanto um passivo, dependendo do contexto em que a empresa se encontra. O tipo ideal de cultura – forte ou fraca – deve estar alinhado às demandas específicas e momentâneas do mercado e à fase de vida da organização.
Janice Langan-Fox e Philomena Tan, em seu artigo no Journal of Occupational and Organizational Psychology no ano de 1997, buscam fazer uma relação entre a robustez de uma cultura e o tempo de maturidade das empresas.
Segundo as autoras, empresas jovens, ainda fortemente influenciadas por seus fundadores, geralmente se beneficiam de uma cultura forte e bem definida, que oferece orientação e estabilidade em seus primeiros passos.
À medida que amadurecem, as empresas tendem a desenvolver subculturas dentro de suas unidades funcionais, geográficas ou divisionais, mantendo uma cultura principal que sustenta a identidade corporativa.
Esse equilíbrio permite que a organização, agora mais diversificada e estável, administre a complexidade de um cenário multicultural.
Por outro lado, empresas em declínio enfrentam desafios distintos: muitos dos pressupostos que antes guiavam suas operações deixam de ser relevantes diante das mudanças no ambiente competitivo.
Nesse contexto, uma cultura mais fraca pode facilitar a flexibilidade necessária para ajustes e transformações, permitindo que a organização se adapte e se reinvente diante das novas realidades do mercado.
O ideal é encontrar um equilíbrio entre a força e a flexibilidade da cultura organizacional.
Uma cultura que incentiva a melhoria contínua, como o Kaizen, promove um ambiente de inovação e adaptação, sem comprometer a coesão e a identidade da empresa.
A chave está em construir uma cultura que seja forte o suficiente para fornecer direção e propósito, mas flexível o suficiente para se adaptar às mudanças e desafios do mercado.
Este é o desafio.

MARCELO DE ELIAS é Linkedin Top Voice. Mestre em inovação e design com MBAs em Estratégia (USP), Gestão de Pessoas (FGV), formação internacional em gestão da mudança em tempos desafiadores (University of Tampa/EUA) e pós-graduado em neurociência e psicologia positiva (PUC).
Conteudista especialista em liderança, protagonismo e gestão de mudanças, é professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios. Escritor e fundador da Universidade da Mudança.
Pioneiro no assunto “Inner Skills” no Brasil.
Atende grandes clientes como GPA/ Pão de Açúcar, Cobasi, Neoenergia, Leroy Merlin, SBT, Marisa, Carrefour, MSD/Merck, Elanco, Kawasaki, GM, Fiat, Raízen/Shell, DHL, Caixa, Bradesco, Unilever, Bettanin/InBetta, Sebrae, SESC, Sabesp, Banco da Amazônia, Justiça Federal, Ministério Público, INPE, Usiminas entre outros de diversos segmentos.
Através de mensurações na metodologia NPS junto aos contratantes, o índice de recomendação é de 100%.
As palestras não são “produtos de prateleira”, mas sim, projetos 100% personalizados e customizados para cada realidade, considerando as necessidades a serem atendidas, a cultura do cliente e o perfil do público.
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Imagem: Canva Pro