Por Marcelo de Elias
Já ouviu frases iguais a essas?
- “Aqui é assim mesmo, a gente resolve desse jeito.
- “Eu confio na minha equipe, mas tem coisa que só eu posso decidir.”
- “Fulano é gente nossa, dá pra dar um jeitinho.”
- “Vamos evitar esse conflito agora, depois a gente vê como resolve.”
- “O problema é lá em cima, a gente só segue ordens.”
Essas frases, que soam familiares para qualquer profissional que atua no contexto organizacional brasileiro, dizem muito mais do que aparentam. Elas traduzem um conjunto de valores, crenças e comportamentos profundamente enraizados na nossa cultura de liderança.
É comum ouvirmos que o Brasil é um país singular. Com sua diversidade cultural, sua capacidade criativa e sua habilidade relacional, o brasileiro chama a atenção de quem observa de fora – e muitas vezes até de nós mesmos. Isso também se reflete na maneira de gerenciar.
Ao observarmos o estilo de gestão praticado no Brasil, percebemos um modelo peculiar e complexo, que mescla afeto e autoridade, improviso e formalismo, flexibilidade e centralização.
O que poucos compreendem, inclusive no meio empresarial, é que essas características não são apenas curiosidades sociológicas: elas moldam profundamente o nosso jeito de liderar e de ser liderado.
Neste texto, vou explorar esse “jeito brasileiro de liderar” a partir das ideias propostas por Marco Aurélio Prates e Betania Tanure Barros, analisando os traços que definem nossa cultura gerencial e os desafios e oportunidades que ela traz para líderes e profissionais de Recursos Humanos.
O artigo original, chamado “O Estilo Brasileiro de Administrar: sumário de um modelo de ação cultural brasileiro com base na gestão empresarial”, que é de 1997, ainda permanece atual, pois, os traços culturais da liderança pouco mudaram de lá para cá.
Um modelo de ação cultural: mais que um estilo de gestão
A cultura brasileira de administrar pode ser compreendida como um sistema de ação cultural composto por quatro subsistemas: o formal (institucional), o pessoal (informal), o dos líderes e o dos liderados.
A grande sacada dessa proposta é mostrar que a liderança brasileira não pode ser vista de forma isolada, mas como resultado da interação entre essas dimensões.
Com o cruzamento dos quatro subsistemas, surgem 8 traços marcantes do jeito brasileiro de liderar e ser liderado.
A figura a seguir representa essa ideia:
Esse sistema não é estático. Ao contrário, é dinâmico, relacional e até contraditório. A cultura de liderança brasileira é, por essência, complexa: vive de paradoxos, transita entre opostos e constrói coerência mesmo com elementos que, à primeira vista, parecem inconciliáveis.
Os traços marcantes da liderança brasileira
Ao destrinchar os subsistemas, os autores identificam traços culturais comuns e especiais que moldam a liderança no Brasil. Vamos entender os principais:
1. Concentração de poder
Mesmo em tempos de modelos mais horizontais, muitos líderes ainda são vistos – e se veem – como detentores exclusivos da autoridade e da decisão. A frase “manda quem pode, obedece quem tem juízo” não é só um ditado popular, é um reflexo da realidade de muitas organizações.
Esse traço está enraizado historicamente. Nossa cultura valoriza a figura do “chefe forte”, muitas vezes carismático e paternal, que toma para si a responsabilidade – e o prestígio – das decisões.
2. Personalismo
Valorizamos pessoas mais do que papéis ou processos. As relações pessoais muitas vezes se sobrepõem aos critérios técnicos ou institucionais.
Não é raro vermos decisões tomadas com base em quem pediu, e não o que foi pedido. Isso reforça uma cultura relacional e afetuosa, mas também pode gerar favoritismos, falta de transparência e desafios na meritocracia.
3. Paternalismo
É o líder que “cuida” da equipe como se fosse uma família. Por um lado, isso cria laços afetivos fortes, senso de proteção e pertencimento. Por outro, pode restringir a autonomia, reforçar a dependência e dificultar processos de profissionalização.
É o típico “líder-pai”, que ajuda, aconselha, defende, mas também espera lealdade irrestrita e, muitas vezes, obediência sem questionamentos.
4. Evitar conflitos
O brasileiro, em geral, valoriza a harmonia nos relacionamentos. Em ambientes organizacionais, isso se traduz no esforço quase instintivo de evitar conflitos. O problema? Conflitos são, muitas vezes, necessários para a inovação, a transformação e a melhoria contínua.
Evitar o conflito pode gerar passividade, decisões mal discutidas e ressentimentos silenciosos. Por isso, o líder precisa aprender a lidar com o desconforto das divergências sem perder o respeito e a coesão do grupo.
5. Postura de espectador
Muitos colaboradores se colocam como meros executores, esperando ordens vindas “de cima” e evitando assumir protagonismo. Essa postura está intimamente ligada à cultura de autoridade vertical e à própria impunidade percebida nas instâncias superiores.
A consequência é a baixa responsabilização e o famoso “empurrar com a barriga”, que tanto prejudica a performance organizacional.
6. Flexibilidade
Se há uma característica que nos orgulha e que o mundo inteiro reconhece, é a flexibilidade criativa do brasileiro. Nossa capacidade de improvisar soluções, adaptar-se a mudanças e “dar um jeitinho brasileiro” pode ser um trunfo em ambientes incertos e complexos.
Por outro lado, quando mal dosada, essa flexibilidade pode se tornar permissividade, desorganização ou desrespeito às normas.
7. Formalismo
Apesar de sermos altamente relacionais, nossa cultura também recorre ao formalismo como forma de compensar a instabilidade. Multiplicamos regras, leis, normas e procedimentos como forma de tentar garantir segurança e previsibilidade.
O problema é que esse formalismo, muitas vezes, é mais simbólico do que prático: cria-se uma aparência de ordem, mas na prática as decisões seguem caminhos informais. É o famoso “para inglês ver”.
8. Lealdade pessoal
No Brasil, a confiança está menos nas instituições e mais nas pessoas. Por isso, é comum que a lealdade pessoal se sobreponha à lealdade organizacional. O colaborador é fiel ao seu líder direto, não à empresa como um todo.
Esse tipo de vínculo pode ser potente – líderes carismáticos movem equipes inteiras. Mas também pode ser frágil, pois a saída de um líder pode levar à desmobilização de toda uma equipe.
O que as Lideranças e RHs podem fazer com esse conhecimento?
- Conhecer para transformar – entender a cultura não é se conformar com ela, mas saber onde estão os pontos de melhoria e como potencializar os acertos.
- Equilibrar o afeto com a performance – líderes brasileiros podem manter a proximidade sem perder o foco em metas e resultados.
- Formar times protagonistas – criar um ambiente em que os liderados deixem a postura de espectadores e assumam a responsabilidade por suas entregas.
- Liderar com ética e propósito – a lealdade pessoal deve ser substituída por uma confiança baseada em valores organizacionais.
- Aproveitar a criatividade com método – canalizar a flexibilidade para a inovação, sem perder o controle e a consistência.
A liderança brasileira tem sua beleza e seus desafios. O que a torna única é exatamente a capacidade de transitar entre mundos, de improvisar com leveza e de construir relações com calor humano. Se soubermos conciliar esses traços com exigências globais de eficiência, equidade e inovação, teremos líderes capazes de transformar não só organizações, mas o país.
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MARCELO DE ELIAS é Linkedin Top Voice. Mestre em inovação e design com MBAs em Estratégia (USP), Gestão de Pessoas (FGV), formação internacional em gestão da mudança em tempos desafiadores (University of Tampa/EUA) e pós-graduado em neurociência e psicologia positiva (PUC).
Conteudista especialista em liderança, protagonismo e gestão de mudanças, é professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios. Escritor e fundador da Universidade da Mudança.
Pioneiro no assunto “Inner Skills” no Brasil.
Atende grandes clientes como GPA/ Pão de Açúcar, Cobasi, Neoenergia, Leroy Merlin, SBT, Marisa, Carrefour, MSD/Merck, Elanco, Kawasaki, GM, Fiat, Raízen/Shell, DHL, Caixa, Bradesco, Unilever, Bettanin/InBetta, Sebrae, SESC, Sabesp, Banco da Amazônia, Justiça Federal, Ministério Público, INPE, Usiminas entre outros de diversos segmentos.
Através de mensurações na metodologia NPS junto aos contratantes, o índice de recomendação é de 100%.
As palestras não são “produtos de prateleira”, mas sim, projetos 100% personalizados e customizados para cada realidade, considerando as necessidades a serem atendidas, a cultura do cliente e o perfil do público.
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