Era uma manhã comum no escritório de um cliente. Eu estava envolvido em uma série de reuniões, tratando de processos e estratégias para a transformação cultural dessa empresa.
Em meio à rotina, algo chamou minha atenção: um grupo de líderes discutindo sobre a resistência das equipes às mudanças. O clima era tenso, e um dos gestores, frustrado, exclamou: “Como podemos esperar que a cultura mude, se nem sabemos por onde começar?” Esse momento, aparentemente simples, revelou uma verdade fundamental: muitas vezes, as organizações querem evoluir, mas não têm um caminho claro a seguir.
Durante minha trajetória como professor e estudioso especialista em gestão de mudanças e cultura organizacional, estive diretamente envolvido em processos de transformação cultural em empresas que enfrentavam desde problemas de alinhamento estratégico até crises de engajamento.
Ao longo dessas experiências, percebi que, embora houvesse teorias e frameworks disponíveis, muitos deles careciam de aplicabilidade prática ou de uma sequência clara e adaptável às necessidades específicas de cada organização. Assim, comecei a estruturar um método que fosse robusto e, ao mesmo tempo, simples e eficiente, capaz de guiar líderes e equipes por um caminho seguro rumo à transformação cultural.
Nesse dia me senti motivado a reunir as muitas experiências que possuía e transformá-las em um roteiro. Chamei-o de DAPAS por causa das 5 letras iniciais que batizam cada uma das etapas.
No dia daquela reunião em diante embrenhei em uma jornada para a construção de uma metodologia estruturada que serviria como um mapa para qualquer organização disposta a transformar sua cultura de forma estratégica e eficaz.
Esse modelo não surgiu de um momento de inspiração isolado, mas sim de um processo evolutivo. Foi um ciclo constante de aprendizado: aplicar conceitos em campo, observar os resultados, identificar lacunas e ajustar o método. Cada etapa do DAPAS – Definir, Analisar, Priorizar, Agir e Sustentar – foi meticulosamente construída com base em dados reais, entrevistas com líderes, diagnósticos organizacionais e análises de cases de sucesso e fracasso.
Minha base teórica foi enriquecida por estudos em liderança, psicologia organizacional e metodologias de mudança, mas o verdadeiro diferencial veio do campo, onde testei e refinei cada etapa do modelo em cenários desafiadores. Hoje, o DAPAS representa um reflexo da minha crença de que a cultura organizacional é um dos ativos mais poderosos e transformadores de qualquer empresa.
Ao longo da minha trajetória como consultor e especialista em gestão de mudanças, tive a oportunidade de implementar esse modelo em diversas organizações. Cada experiência trouxe insights valiosos sobre como uma metodologia estruturada pode transformar a cultura organizacional e, consequentemente, os resultados e a satisfação das equipes.
Neste texto vamos desvendar o passo a passo do DAPAS, uma abordagem organiza a transformação cultural e a torna um processo compreensível e aplicável, mesmo em contextos desafiadores.
A Importância de um Modelo para a Gestão da Cultura Organizacional
A cultura organizacional é o coração pulsante de uma empresa. Ela molda comportamentos, orienta decisões e influencia diretamente o desempenho. No entanto, gerenciar e transformar a cultura organizacional é uma das tarefas mais desafiadoras para líderes e gestores. Sem um modelo claro e estruturado, as tentativas de alinhar a cultura aos objetivos estratégicos podem se tornar dispersas e ineficazes.
É nesse contexto que eu apresento a metodologia DAPAS — um modelo prático e acessível que fornece um roteiro para a gestão eficaz da cultura organizacional.
Composto por cinco etapas sequenciais, o modelo ajuda organizações a navegar pelo complexo processo de alinhar cultura e estratégia, garantindo que os esforços sejam focados e sustentáveis.
Gerir a cultura organizacional sem uma metodologia é como tentar resolver um quebra-cabeça sem uma imagem de referência. A ausência de um modelo estruturado pode levar a esforços fragmentados, falta de alinhamento entre equipes e resultados insatisfatórios.
O Modelo DAPAS é uma abordagem estruturada composta por cinco etapas que permitem diagnosticar, planejar e implementar mudanças culturais de forma sistemática. Vamos explorar cada etapa:
Imagem: Modelo DAPAS para a Gestão da Cultura Organizacional (Marcelo de Elias)
Etapa 1: Definir
A primeira etapa do plano concentra-se na clareza e na intenção. Para criar uma cultura organizacional eficaz, é essencial estabelecer um ponto de partida sólido. Isso envolve identificar os resultados esperados, os comportamentos desejados e os valores essenciais que devem orientar a organização.
a) Identificar os resultados/ objetivos desejados
Antes de qualquer análise e transformação cultural, é fundamental entender o “porquê” e o “para onde”. Os resultados desejados podem incluir maior engajamento, inovação, retenção de talentos, ou qualquer outro objetivo estratégico. Essa definição precisa estar alinhada aos objetivos estratégicos da empresa.
b) Definir os comportamentos desejados
A cultura é composta por comportamentos coletivos. Nesta etapa, líderes e equipes devem ser incentivados a refletir sobre as atitudes e práticas que sustentam os objetivos organizacionais. Comportamentos como colaboração, foco no cliente, inovação e ética devem ser especificados e modelados por líderes.
c) Definir a cultura-alvo e os valores essenciais
Definir os traços culturais e valores essenciais que caracterizarão a organização é a essência dessa etapa. A cultura-alvo deve ser inspiradora e alcançável, promovendo valores que sejam percebidos como autênticos por todos os níveis da organização.
Etapa 2: Avaliar
Após definir o futuro desejado, é necessário compreender o presente. A etapa de mapeamento diagnostica a cultura vigente, permitindo identificar lacunas e oportunidades de alinhamento.
a) Diagnosticar o comportamento organizacional
A observação do comportamento organizacional vigente é essencial para entender como as atitudes e ações dos colaboradores refletem a cultura vigente da empresa. Ao observar como as pessoas interagem, lidam com mudanças e tomam decisões, é possível identificar comportamentos que estão alinhados ou desalinhados aos objetivos estratégicos.
Esse diagnóstico ajuda a revelar valores não escritos, como a colaboração, a confiança nas lideranças e as práticas de gestão que impactam diretamente o ambiente organizacional. Com base nessa análise, a organização pode ajustar sua cultura para garantir que os comportamentos desejados sejam incentivados e os desafios culturais sejam superados.
b) Analisar a cultura vigente
Nesta etapa, utiliza-se ferramentas como pesquisas de clima organizacional, pesquisa de valores culturais, entrevistas, grupos focais e análise comportamental para entender e, sintetizar, os traços culturais predominantes. Perguntas importantes incluem: “Quais pensamentos são predominantes atualmente?”, “Quais valores são vividos no dia a dia?”, “Quais traços culturais estão mais presentes?”.
O diagnóstico deve ser honesto e abrangente, permitindo que a organização compreenda tanto seus pontos fortes quanto os desafios culturais.
Etapa 3: Priorizar
Com os dados em mãos, o próximo passo é priorizar os esforços para fechar as lacunas entre a cultura atual e a cultura-alvo.
a) Identificar os gaps da cultura alvo x cultura vigente
Os gaps representam as discrepâncias entre os comportamentos e valores atuais e os desejados. Por exemplo, se a inovação é um valor desejado, mas o comportamento predominante é avesso ao risco, isso constitui um gap. Identificar e priorizar esses gaps permite que a organização concentre seus recursos nos pontos de maior impacto.
Nesta etapa, é importante envolver líderes e equipes, garantindo que as prioridades reflitam tanto as necessidades estratégicas quanto as percepções internas.
Pode ser que não existam essas discrepâncias. Isso significa que há uma positiva correlação entre a cultura desejada e a cultura atual. Entretanto, em nossas experiências e estudos, percebemos que na absoluta maioria dos casos sempre existem alguns pontos de mudança e ajuste.
b) Priorizar as possíveis ações
Após identificar os gaps, é crucial definir quais ações terão maior impacto na transformação da cultura organizacional. Nem todos os gaps podem ser abordados simultaneamente, portanto, é necessário priorizar com base em fatores como urgência, viabilidade e alinhamento estratégico.
A priorização deve considerar as áreas que mais afetam o desempenho da organização e as mudanças que terão maior efeito no comportamento e nos resultados. Para isso, pode-se utilizar ferramentas como a matriz de impacto e esforço, que ajudam a classificar as ações de acordo com o seu potencial de transformação e os recursos necessários para sua implementação.
Além disso, é fundamental garantir que as ações escolhidas tenham o apoio da liderança e sejam viáveis no contexto atual da organização, de modo que as mudanças propostas sejam sustentáveis a longo prazo.
Etapa 4: Agir (Plano de Ação)
Na sequência, chega-se à execução. Esta etapa traduz as intenções em ações práticas, sustentando a mudança cultural de forma contínua.
a) Comunicar e conscientizar
A comunicação é o alicerce de qualquer transformação cultural, pois ela permite que todos na organização compreendam a visão de futuro e se sintam parte do processo de mudança.
Para que isso aconteça de forma eficaz, é fundamental que os líderes transmitam a visão de cultura de maneira clara, inspiradora e repetitiva, utilizando diferentes canais de comunicação. A diversidade de canais – como reuniões, e-mails, vídeos, redes sociais internas, entre outros – assegura que a mensagem alcance todos os níveis da organização, independentemente do cargo ou local de trabalho.
No entanto, a clareza e a consistência da mensagem são essenciais para evitar confusão e garantir que todos estejam alinhados em relação aos objetivos culturais. Quando a visão de cultura é repetida constantemente, ela se torna parte do vocabulário e da mentalidade organizacional, reforçando a importância da mudança a cada oportunidade de comunicação.
Além de comunicar a visão, é fundamental que os líderes fomentem os comportamentos desejados por meio de exemplos práticos e histórias de sucesso que conectem emocionalmente os colaboradores aos valores da organização. Líderes que demonstram os comportamentos esperados em suas próprias ações criam um modelo a ser seguido, estabelecendo uma conexão genuína entre palavras e atitudes.
Contar histórias de sucesso de pessoas ou equipes que vivenciaram e promoveram os valores da cultura desejada pode inspirar os outros a adotar comportamentos semelhantes. Essas histórias funcionam como poderosos instrumentos de aprendizagem e motivação, mostrando, na prática, como os valores culturais podem ser aplicados no dia a dia e quais os resultados positivos que surgem dessa adesão.
Dessa forma, a comunicação vai além da transmissão de informações, criando um vínculo emocional e reforçando a importância da transformação cultural para o sucesso coletivo da organização.
b) Capacitar
A capacitação é uma das peças-chave para garantir que a transformação cultural seja bem-sucedida e sustentável ao longo do tempo. Não basta apenas comunicar a visão da cultura desejada; é necessário preparar líderes e equipes para que eles possam vivenciar e implementar essa nova cultura no dia a dia.
Para isso, treinamentos, workshops e programas de desenvolvimento são fundamentais. Essas iniciativas devem ser cuidadosamente planejadas, levando em consideração as necessidades específicas de cada grupo dentro da organização, para que todos se sintam preparados e confiantes para adotar novos comportamentos e práticas.
Além disso, a capacitação não deve ser vista como um evento pontual, mas sim como um processo contínuo, com atualizações regulares que acompanhem a evolução da cultura e das necessidades da empresa.
O foco da capacitação deve ser o desenvolvimento de competências que vão além das habilidades técnicas, abrangendo também aspectos comportamentais e emocionais necessários para viver a cultura desejada. Isso inclui treinamento em liderança, comunicação eficaz, gestão de mudanças, inteligência emocional, trabalho em equipe e resolução de conflitos, entre outros.
A capacitação cria um ambiente de aprendizado constante, no qual as pessoas se sentem valorizadas e engajadas no processo de mudança, o que fortalece ainda mais a cultura desejada e garante que ela seja vivida de forma autêntica e eficaz em todos os níveis da organização.
Etapa 5: Sustentar
Finalmente alcançamos a etapa pós ações de mudanças de cultura. Agora é o momento de fomentar e sustentar a cultura desejada.
a) Criar sistemas de apoio e manutenção da cultura
A mudança cultural não é algo que acontece apenas por meio da comunicação e capacitação, mas também exige uma infraestrutura de apoio sólida para garantir que os novos valores sejam incorporados e sustentados ao longo do tempo.
Isso envolve a revisão e adaptação de políticas, processos e sistemas de recompensa, de modo que todos os aspectos da organização estejam alinhados com a cultura desejada.
Por exemplo, se a colaboração é um valor central, os sistemas de avaliação de desempenho devem ser ajustados para reconhecer e recompensar comportamentos colaborativos, como o trabalho em equipe e a troca de conhecimento entre departamentos. Além disso, os processos de recrutamento e seleção devem buscar identificar candidatos que se alinhem aos valores culturais da organização, enquanto as políticas internas, como as de promoção e mobilidade, devem ser desenhadas para incentivar e apoiar aqueles que demonstram compromisso com a cultura organizacional. Os sistemas de recompensa, por sua vez, podem incluir incentivos financeiros, reconhecimento público ou oportunidades de crescimento profissional, todos projetados para reforçar os comportamentos que se deseja cultivar.
Sem esses sistemas de apoio, a mudança cultural corre o risco de se perder, pois a prática de comportamentos desejados não será incentivada ou reforçada de maneira eficaz, o que pode levar a um retorno aos antigos padrões.
b) Acompanhar periodicamente a cultura
A manutenção de uma cultura organizacional sólida e alinhada exige um monitoramento contínuo e estruturado para garantir que os valores e comportamentos desejados sejam mantidos ao longo do tempo. Para isso, é essencial o uso de ferramentas como KPIs culturais, que permitem medir e avaliar o impacto da cultura nas práticas diárias da organização, além de fornecer dados objetivos sobre o progresso da transformação cultural.
Esses indicadores podem abranger aspectos como o nível de engajamento dos colaboradores, a colaboração entre equipes, a adesão aos valores organizacionais e a eficácia da comunicação interna. Além disso, o feedback regular, seja por meio de pesquisas de clima, entrevistas com colaboradores ou reuniões de acompanhamento, é crucial para identificar rapidamente qualquer desvio da cultura desejada e implementar ajustes necessários.
O acompanhamento periódico também oferece a oportunidade de celebrar conquistas, reconhecer comportamentos alinhados aos valores da organização e promover a reflexão contínua sobre o impacto da cultura no desempenho e nos resultados da empresa.
Dessa forma, a cultura não se torna algo estático ou negligenciado, mas um elemento dinâmico e em constante evolução, ajustado conforme as necessidades da organização e o contexto externo.
MARCELO DE ELIAS é Linkedin Top Voice. Mestre em inovação e design com MBAs em Estratégia (USP), Gestão de Pessoas (FGV), formação internacional em gestão da mudança em tempos desafiadores (University of Tampa/EUA) e pós-graduado em neurociência e psicologia positiva (PUC).
Conteudista especialista em liderança, protagonismo e gestão de mudanças, é professor da FGV, FDC e outras escolas de negócios. Escritor e fundador da Universidade da Mudança.
Pioneiro no assunto “Inner Skills” no Brasil.
Atende grandes clientes como GPA/ Pão de Açúcar, Cobasi, Neoenergia, Leroy Merlin, SBT, Marisa, Carrefour, MSD/Merck, Elanco, Kawasaki, GM, Fiat, Raízen/Shell, DHL, Caixa, Bradesco, Unilever, Bettanin/InBetta, Sebrae, SESC, Sabesp, Banco da Amazônia, Justiça Federal, Ministério Público, INPE, Usiminas entre outros de diversos segmentos.